Frequentemente chamadas de “rins da terra”, as áreas úmidas auxiliam na regulação das águas e no sequestro de carbono da atmosfera , o que ajuda na redução do efeito estufa.
Nos cinemas, um local sombrio e hostil para as pessoas. Fora dos roteiros, um ecossistema abundante de vida ameaçado pela ação humana. É em meio a essa trama de contradições que as áreas úmidas se destacam, no mundo real, como uma das principais protagonistas com o potencial de vencer aquela que, talvez, seja a maior batalha para a manutenção da nossa espécie: o aquecimento global. Pauta amplamente discutida na COP 26 - Conferência das Partes - evento da ONU, realizado até sexta-feira (12), em Glasgow, na Escócia.
A data, 12 de novembro, em que é celebrado o Dia do Pantanal, é por coincidência a mesma do encerramento da COP 26, ou seja, um momento propício que nos convida à reflexão sobre a importância e o futuro das áreas úmidas para a humanidade, considerando que há muitos desafios a serem superados.
É que se não bastasse a visão distorcida que muitos têm das áreas úmidas (pântanos, mangues, turfeiras, etc), imagem que é potencializada em filmes, com sucesso de bilheteria. Atualmente, a formulação das políticas e acordos mundiais levados à Conferência - cujo objetivo é manter a temperatura do planeta longe dos 2ºC - há um obstáculo maior a ser superado: o olhar das lideranças globais voltados restritamente às florestas, como alternativa para frear as mudanças climáticas.
Comportamento que acaba por negligenciar as áreas úmidas, nas quais 40% de todas as espécies de plantas e animais vivem ou se reproduzem, embora elas ocupem apenas 6% da superfície da Terra. E essas áreas também armazenam duas vezes mais carbono do que todos os tipos de vegetação do planeta, além de serem grandes defensoras contra eventos extremos - enchentes, secas, ressacas, tsunamis, etc - que desencadeiam no surgimento dos refugiados do clima.
“A ciência demonstra que as áreas úmidas são as melhores neutralizadoras de carbono, que protegem bilhões de vidas das tempestades e secas exacerbadas pelas mudanças climáticas, mas, que ainda não são centrais nas discussões políticas de como lidar com a crise climática. As áreas úmidas - incluindo águas doces, manguezais e turfeiras - fornecem uma oportunidade coletiva para o setor privado e público acertar as contas em termos de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Porém, elas estão sendo perdidas silenciosamente, mais rápido do que qualquer outro ecossistema”, alerta Jane Madgwick, CEO da Wetlands International - uma das principais instituições parceiras do Pavilhão das Turfeiras (Peatlands Pavilion) e do Pavilhão da Água (Water Pavilion) na COP26.
Áreas Úmidas pra quê?
Em todo o globo, as áreas úmidas são três vezes mais devastadas do que as florestas. Daí a importância em mobilizar os países na COP para compromissos contínuos que incluam investimentos e políticas para a manutenção dos diversos biomas existentes, como destaca Rafaela Nicola, diretora executiva da Wetlands International Brasil, que atua no Pantanal.
“Ecossistemas como as áreas úmidas não vêm recebendo a mesma atenção das autoridades mundiais dentro das estratégias para controle das mudanças climáticas. É como se não estivessem cientes do grau de importância dessas áreas para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Em consequência, as áreas úmidas estão cada vez mais drenadas, queimadas, degradadas. A intensificação desses processos, coloca em risco a oferta de água doce no planeta e vulnerabiliza a produção de alimentos e os sistemas econômicos”.
E não é preciso cruzar o Atlântico para comprovar este cenário. No Brasil, há um exemplo bem alarmante: o Pantanal. Em 2020, o bioma foi destaque na imprensa internacional devido aos incêndios descontrolados. Um estudo divulgado este ano pelo MapBiomas apontou que o território, conhecido como a maior área úmida de água doce do planeta, já perdeu 29% de água e campos alagados em 30 anos, quase 1% ao ano. Neste ritmo, se nada for feito, o bioma estará seco em no máximo 70 anos.
Considerado o pior incêndio das últimas décadas, o fogo assolou a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do Brasil, a RPPN Sesc Pantanal, que tem 108 mil hectares, o equivalente à área da cidade do Rio de Janeiro. Deste total, 101 mil hectares, ou seja, 93% da área foi atingida. Conforme dados preliminares da pesquisa que avalia os impactos do fogo da fauna da reserva, do Grupo de Estudos em Vida Silvestre (GEVS), estima-se que só de animais mortos tenham sido 20 mil, entre espécies de grande e médio porte.
“A recuperação é um processo longo e embora a vegetação primária vinda após as primeiras chuvas traga a falsa impressão de que tudo está se recuperando rápido, sabemos que vai levar muito tempo para que o bioma se restabeleça. Por isso, as ações de conscientização são necessárias para que o desastre vivenciado em 2020 não se repita. O Pantanal é resiliente, mas essa resiliência tem limite e não suporta incêndios consecutivos”, argumenta a superintendente do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, Christiane Caetano.
Sem “blá blá blá”
E, na tentativa de repor essas perdas, instituições estão somando forças (Sesc, Wetlands International, Mupan, CPP e INAU) para recuperar a RPPN por meio do Projeto Aquarela Pantanal. A meta é atender 46 hectares da RPPN. Uma ação considerada inédita já que nunca foi preciso uma ação de reflorestamento no local.
“O Pantanal é uma área grande e complexa, por isso a resposta quanto a resiliência não é igual em todo o bioma. Tivemos que analisar as áreas que tiveram pouco ou nenhum dano para mapear as plantas que pudessem ser doadoras de mudas, já que não há viveiro no Brasil que dispunham de espécies únicas do Pantanal”, frisou a pesquisadora Cátia Nunes, do INAU/UFMT.
Conjuntura que só reforça a necessidade de atingir as metas propostas com os dois pavilhões na COP 26: que é a de elevar a conscientização sobre o papel das áreas úmidas como uma solução para as mudanças climáticas e incluí-las nas tratativas do Acordo de Paris. A intenção é mobilizar financiamento para a restauração e conservação das áreas úmidas, de fontes públicas e privadas e apoiar os países (em desenvolvimento) a atingir seus PADs.
Na última terça-feira (9), um consórcio de diversas ONGs apresentou um ranking anual de ações pelo clima, no qual a Dinamarca saiu no topo com 30% da sua energia oriunda de fontes renováveis. Do lado oposto, a Austrália ficou com o pior posto, com 92% da fonte energética vinda de combustíveis fósseis. Outro que não está bem é o Brasil que caiu 8 posições, ficando em 33º lugar e recebendo críticas pelo desmatamento e falta de políticas públicas para diminuir as emissões de carbono.
Assim, seguimos como em um filme minutos antes do fim, no qual o desfecho vai depender do posicionamento dos países, ou seja, se manterão o mesmo discurso ou irão assumir o protagonismo para alcançar metas líquidas de zero carbono, com o desenvolvimento sustentável. Enquanto esse desfecho ainda é uma incógnita, as organizações seguem com os seus trabalhos na Conferência em busca de respostas concretas.
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