De tempos em tempos me deparo com bloqueios criativos que me paralisam completamente e me fazem passar longos períodos sem conseguir escrever. Esses episódios podem ter diversos motivos: exaustão física e mental, uma rotina muito corrida, estresse, tristeza, crises depressivas... e sempre se apresentam como um tipo de ressaca criativa que me deixa cansada só de pensar em sentar na frente de uma página do Word ou dos meus inúmeros cadernos.
É claro que esse fenômeno não acontece apenas comigo, qualquer pessoa que goste ou precise escrever já passou, está passando ou passará por esse tipo de bloqueio diversas vezes na vida. Inclusive, esses bloqueios criativos são tão comuns que não só tem sido estudados mundo afora como também possuem nome e sobrenome: writer’s block, ou Síndrome da Página em Branco.
Basicamente, a Síndrome da Página em Branco se apresenta como o medo, falta de disposição ou momentânea inabilidade para escrever. É aquela sensação de não saber o que ou como começar a escrever algo, que a gente normalmente chama de bloqueio criativo, e que pode atingir escritores, copywriters, compositores, jornalistas ou estudantes em fase de produção de TCCs, artigos científicos, teses, etc.
É claro que os gatilhos para esse bloqueio podem variar de pessoa para pessoa, afinal somos seres complexos, com experiências e vivências únicas. O escritor Gustavo Tanaka [1], em seu poema O medo de uma folha em branco, relaciona esse medo – quase pânico – de escrever com a liberdade paralisante de visualizar a própria vida como uma folha em branco, que pode ser conferida nos versos:
“Minha vida se tornou essa folha em branco.
Posso escolher o que quiser viver. Posso escolher quem eu quero ser hoje.
Não consigo escolher.”
Mas, de onde vem esse medo, esse sentimento frustrante e paralisante de não encontrar palavras para nos expressar? Durante as pesquisas que fiz para escrever sobre esse assunto, me deparei com o artigo Pânico da folha em branco? Para entender e superar o medo de escrever, da Psicóloga, Mestre em Educação e Doutora em Ciências da Linguagem e em Educação Ana Maria Netto Machado [2], que relaciona essa síndrome com a forma como o sistema de educação brasileiro vê e lida com a alfabetização e o ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas, e defende que sua completa superação depende de mudanças de atitudes e estratégias voltadas para desconstruir as barreiras criadas em nosso subconsciente contra a liberdade de se expor.
É claro que uma profunda compreensão dos sentimentos e situações que servem como gatilhos para que esses bloqueios aconteçam vão depender de autoconhecimento, e sua total superação poderá necessitar de muitas sessões de terapia, mas quando falamos sobre criatividade, sempre podemos recorrer a alguns exercícios e hábitos para conseguir escrever com mais disciplina e facilidade. Pensando nisso, preparei 10 dicas para lidar com a Síndrome da Página em Branco, inspiradas no meu próprio processo criativo, e que podem tornar esse período de festas de fim de ano em uma ótima oportunidade para encarar de frente esse medo e deixar as palavras fluírem. Vamos a elas?
1. Tenha um banco de ideias. Títulos de artigos que você deseja escrever, uma cena que passou pela sua cabeça, uma frase que não te deixa se concentrar em outra coisa, uma citação, o seu poema favorito... Qualquer tipo de anotação que você possa revisitar e servir de inspiração é válido.
2. Tenha sempre em mãos um caderno, bloco ou aplicativo de notas. A inspiração é uma visita imprevisível, que surge sem convite e sem anúncio, nos horários e lugares mais inesperados. São esses arroubos de criatividade que vão te ajudar a alimentar o seu banco de ideias.
3. Esteja sempre bem informado. Sabe aquele ditado: a vida imita a arte? Ele parece tão verdadeiro pois a arte é um espelho do que vivemos em sociedade. Por isso estudamos literatura de forma atrelada e correlata à história. Muitas vezes, é através da observação dos fatos cotidianos e da forma como eles afetam as nossas vidas que surge a inspiração para criar.
4. Observe a vida com curiosidade. Você já se perguntou por quê a fotografia tem o poder de nos surpreender? É que, no geral, os fotógrafos tem o hábito de observar as coisas com curiosidade, sempre analisando expressões, formas, luzes e sombras... Algumas obras são tão fascinantes justamente por nos apresentar o mundo através de perspectivas que nunca imaginamos ou vivenciamos, como “Ensaio sobre a Cegueira”, do José Saramago, “Caixa de Pássaros”, de Josh Malerman, ou todo e qualquer poema de Manoel de Barros.
5. Faça pesquisas de imagens com frequência. Falando em fotografia, use e abuse do acesso infinito a imagens proporcionado pela internet para criar pastas de inspiração de cenários, personagens, cenas... Exercite a sua imaginação olhando através da foto. Você pode usar bancos de imagens gratuitos, redes sociais ou aplicativos como o Pinterest para fazer esse exercício.
6. Experimente novas palavras. Tenha salvo em seu navegador sites que auxiliem a ampliação do seu vocabulário, como dicionários ou sites de pesquisas de sinônimos e antônimos. Eles te ajudarão a escrever textos claros e ricos, sem correr o risco de se tornar incompreensível ou repetitivo.
7. Faça pesquisas sobre o tema escolhido. Às vezes uma boa pesquisa de referências é tudo o que falta para que você tenha segurança em estruturar e desenvolver o tema que deseja abordar. Mais uma vez, aproveite a vastidão da internet para conferir o que outras pessoas estão falando sobre o que você pretende escrever. Além de servir como ponto de partida, isso te ajudará a produzir um texto único e relevante.
8. Elimine as distrações. Saia do WhatsApp, desligue o celular, elimine qualquer distração que possa te atrapalhar na hora de escrever e simplesmente encare a tão temida página em branco! Você vai se sentir mais focado e as palavras fluirão de forma mais fácil e natural.
9. Pratique a escrita. Participe de desafios literários, escreva um diário, faça listas, experimente novos gêneros, troque cartas com as pessoas que ama, faça exercícios de criatividade... Assim como qualquer outra atividade, a escrita também necessita de prática para ser aperfeiçoada, por isso escreva!
10. Crie o habito de revisar os seus textos. Quando criamos esse hábito, nos permitimos a ter liberdade para escrever sem medos, sem formas, sem grilhões, sem limitações. Deixe a sua escrita fluir e no dia seguinte, na semana seguinte ou daqui a um mês, depois que as ideias se assentarem, você retoma aquele texto. Leia em voz alta, perceba como as frases se conectam, corte o que for irrelevante, corrija os erros de pontuação...
(Bônus) E se mesmo com todas essas dicas, você ainda não se sentiu à vontade para encarar aquela página em branco, respeite o seu tempo. A Maria Vitória [3], escritora brilhante responsável pelo A Estranhamente, tem um artigo sobre esse mesmo tema em que diz que “a escrita é um processo de sentimento e preparação emocional e racional que deve ser respeitado”. Então não se esqueça de que a escrita também deve ser algo prazeroso para você.
Agora que sabemos o que é e como lidar com a Síndrome da Página em Branco, que tal reservar algumas horas do seu dia para se dedicar à escrita? Você pode começar com aquela lista de resoluções de Ano Novo para 2022.
Boas festas!
Referências:
[1] Gustavo Tanaka - O medo de uma folha em branco (poema). Disponível em: https://gutanaka.medium.com/o-medo-de-uma-folha-em-branco-93fe5cc968c2
[2] Ana Maria Netto Machado - Pânico da folha em branco? Para entender e superar o medo de escrever (artigo). Disponível em: http://www.janehaddad.com.br/arquivos/folha_em_branco.pdf
[3] Maria Vitória. A Estranhamente - 5 dicas práticas para perder o medo na hora de escrever (blog). Disponível em: https://aestranhamente.com/5-dicas-praticas-para-perder-o-medo-na-hora-de-escrever/
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