Jonavo Entrevista Fernando Anitelli
O palhaço retira sua maquiagem em frente ao espelho esfregando com força o pano sobre a pele, revelando aos poucos o homem por trás da alegria, por trás do riso, por trás do espetáculo. Mais uma noite de trabalho acaba e junto à tinta que escorre pelo ralo da pia, escorre o momento branco, vermelho e preto. Fernando Anitelli guarda as maquiagens e o figurino em uma mala e ele está em minha casa.
Por mais surreal que pareça, essa movimentação aconteceu em novembro de 2021 quando em passagem por Campo Grande com a turnê “O Teatro Mágico – Voz e Violão” o Fernando esteve por aqui fazendo uma live na casa dos meus pais, onde pudemos ter momentos de proximidade e troca no lugar onde fui fã lá no começo de tudo. Momento para guardar na memória e no coração e que decora o início desse texto que na verdade é pra falar sobre “Luzente”, o novo álbum de inéditas do Teatro Mágico.
Vejo o Anitelli como um hiperativo das palavras, das cores e dos sentimentos. Um compositor que não para de agregar na construção de sua identidade artística e sua linguagem poética. A cada novo trabalho desse artista que se abriga e abriga vários outros artistas sob o guarda-chuva do Teatro Mágico, vejo não apenas a evolução, mas o movimento de fazer uma canção que dialogue com o que está acontecendo no mundo seja na música, na escrita ou na estética.
Luzente vem ao mundo para o pós-pandemia, carregado de amores e dores desse cara que não parou um segundo de se movimentar e gerar conteúdo de valor pro seu público na fase mais complicada que o mundo moderno viveu neste século. Foram lives diárias em seu instagram convidando Deus, Raimundo e todo mundo para dialogar, encontros virtuais interativos com a “Experiência Teatro Mágico” através de uma plataforma de streaming além de lançamentos e canções que expurgaram sua arte durante esse período.
Conversamos a respeito desse novo projeto, dessa nova fase que promete trazer uma linda turnê de volta para os palcos e para apreciação popular, renomeadas de “aglomerações”. Tudo com conceito, tudo com responsabilidade, engajamento e acima de tudo, algo que admiro e que vai além do discurso: Argumento!
Jonavo - Qual a diferença do Fernando do “Entrada para raros” pro Fernando do “Luzente”? Se um olhasse pro outro hoje, como seria esse papo?
Anitelli – A diferença de lançar um primeiro e lançar um sétimo álbum talvez seja toda a estrada que separa um do outro. Todo o conhecimento que aprendi ao vivo, no estúdio, a maneira de levar isso à tona, a melhor forma de poder conjugar isso com o público. Mas nas duas situações tem uma coisa que é muito comum: A ansiedade de saber como tudo isso vai reverberar nas pessoas.
Tem uma frase do poeta Mário Quintana que é a seguinte: “Qual é a semelhança entre o jovem e o velho poeta? A Semelhança é o medo da próxima estrofe”.
Quando a gente está pra concluir um trabalho e está diante de um papel em branco, a gente muitas vezes propõe um assunto, supõe uma possibilidade, mas sempre em um lugar que da um frio na barriga por não saber se aquela é a frase certa ou a palavra que vai soar melhor, mas é uma ansiedade boa.
O primeiro trabalho eu fiz na raça, então a gente vai colocando muita ideia e ele parece mais uma grande costura. E o trabalho mais recente parece que já vai mais direto ao ponto. Eu acho que esse é o grande barato de você compôr sempre buscando algo distinto, procurando sair da zona de conforto. Como diria Herman Hesse “Ser é ousar ser”.
Jonavo - O que te motiva hoje a se desafiar como compositor?
Anitelli - O que me motiva hoje é a mesma coisa que me motivava a anos atrás quando eu decidi ser músico. Em primeiro lugar a necessidade individual urgente de colocar pra fora, de vomitar muitas coisas que a gente acaba digerindo. Sejam musicas, sejam noticias ou vivencias. A gente tá sempre tentando cavucar no nosso terreno criativo e trazer algo que ainda não tenha feito. Repetir o mesmo trabalho da aquela sensação de que a gente estacionou, o que pra alguns artistas é algo normal, mas na minha cabeça existe sempre a necessidade de fazer algo diferente do que eu já fiz, com a possibilidade de experimentar outras sonoridades, trabalhar com músicos diferentes.
As vezes o público acaba falando “pô, mas esse álbum tá diferente do primeiro, do segundo. É logico que o sétimo álbum não vai ser igual ao primeiro. Acho que a motivação é essa de você conhecer, aprender e amadurecer. E as inspirações são as coisas que nos atravessam. São as pautas que precisam ser comentadas, discutidas e que você pode trazer isso de forma poética, com critica, com humor. É esse o caminho.
Jonavo - O que esperar do novo álbum do Teatro Mágico? E qual a inspiração desse projeto?
Anitelli - O álbum luzente traz esse nome porque é aquele ou aquela que emana luz. E uma coisa que a gente percebeu durante a pandemia, conversando com as pessoas, fazendo a experiência, encontros remotos, entrevistas, é que as pessoas gostariam de ser luz nas vidas das outras. O ser-humano precisa ser acolhido ao mesmo tempo que ele quer estender a mão e ajudar. E esse período pandêmico, onde a gente foi se descobrindo mais, vimos como é fundamental olhar nos olhos, interagir, aproximar, acolher.
Então o álbum luzente traz essa esperança. Ele tem canções ali mais combativas, no caso de “Almaflor” e “cinza”, tem canções mais solares como é o caso de “Laço” e “Instalação”, tem canção que acolhe que é o caso de “Abrigo” tem canção que diverte que é o caso de “Tantas são”, canção que reflete que é o caso de “Anti-herói”. Então todo esse universo tá dentro de uma mesma panela que a gente vai colocando o tempero, vai caprichando pro gosto ficar bem apurado. E cada um vai sentir da forma que bem entender, porque a gente consegue ir até aí. Como as pessoas vão sentir, como isso vai reverberar no coração, na mente de cada um, aí já não é com a gente.
Jonavo - A turnê de voz e violão tem sido uma conexão muito íntima com o público. Conta como tem sido esse processo?
Anitelli - A turnê de voz e violão começou em 2017 a pedido do público. Visto que a gente fazia as apresentações com a trupe, mas que em determinado momento eu ficava sozinho com o público. Eu caminhava entre as pessoas, conversava, falava sobre os bastidores da criação e tal. A partir disso comecei a fazer uma turnê que rolou entre 2018 e 2019, quando preparamos um DVD que foi gravado em Belo Horizonte e teve a participação do Flávio Venturini. No início de 2020 lançamos esse DVD e logo depois veio então a pandemia.
As apresentações de voz e violão tem uma perspectiva completamente diferente do dos shows com a trupe, pois eu estou mais próximo da plateia, eu canto todas as versões de clássicos, novidades e canções que me inspiraram a escrever outras. Em determinado momento eu convido o público pro palco. Quem compõe e quer cantar, quem faz poesia, tem gente que dança e já vai com um figurino. Então o projeto de voz e violão tem essa perspectiva muito interessante de aproximar, trocar e interagir. E em breve teremos novidade sonora dentro dessa turnê de voz e violão. Só posso dizer isso. Spoileeer! (Risos)
Jonavo - Você acredita que a gente volta aos palcos 100% esse ano?
Anitelli - Acredito que a gente possa voltar 100% esse ano. Está aí a vacina mostrando que funciona, a ciência mostrando que existe a possibilidade de uma retomada. O que precisamos agora é saber se ressocializar. Saber caminhar em prol de um bem comum a todos. O que a gente precisa agora é de muito mais coerência das nossas posturas em cima do palco e fora do palco... O mundo está vivendo além disso uma guerra lá na Ucrânia, mas a gente também tá preocupado com a guerra que acontece aqui no nosso país, onde semanalmente morre o povo preto assassinado, onde semanalmente tem feminicídio, onde semanalmente tem bala perdida atingindo crianças e ninguém comenta. Então, acho que pra além das apresentações voltando 100% a gente precisa estar presente nas nossas vidas, nas pautas, além das coisas que nos interessam. Precisamos fazer coro em uma sociedade propositiva, construtiva. O que for além disso acaba sendo levado pela onda. O que a gente precisa mais do que nunca é se olhar com carinho, com cuidado. Então vacinem-se. Tomem a terceira dose, quarta, quinta dose. E sim, a arte é fundamental pra todos nós. Se não fosse a arte, como atravessaríamos esse período?
O curioso é que o artista é o primeiro a parar, o último a voltar e o único que faz coisas gratuitas no meio disso tudo. Então eu espero que a gente possa voltar não somente aos palcos, mas às conversas, as ideias e a ser uma sociedade de novo.
Jonavo - Vai ter show do trabalho novo em Campo Grande esse ano? Fala um pouco de como foi sua última passagem por aqui.
Anitelli - A expectativa é da gente tocar em todos os lugares. Se der pra tocar em Marte (risos) nós vamos. É claro, a gente quer ocupar esse espaço que ficou vago nesses últimos dois anos. Ainda mais Campo Grande, que na ultima vez que estive aí foi muito bacana, o público lotou o teatro, teve a sua participação que foi super bacana. Inclusive a live que pude fazer na sua casa com todo o apoio e só tenho a agradecer esse carinho, porque isso que é muito bacana, a gente vai construindo esses laços por onde a gente passa. E a expectativa é poder voltar logo e com a trupe completa.
Eu também estou com muita saudade. Com certeza muito em breve a gente junta “Tudo numa coisa só”.
O álbum luzente já está disponível em todas as plataformas digitais e também no youtube com quatro clipes das canções “Cinza”, “Almaflor”, “Laço” e “Instalação” que foi dirigido por outro amigo meu o Felipe O’Neil do Rio de Janeiro e conta com a participação da minha amiga Nô Stopa. Vale a pena conferir cada detalhe desse projeto.
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